16 agosto, 2008

Silencio Místico






A palavra silêncio ou a expressão entrar no silêncio aparecem com bastante freqüência nos escritos místicos. No entanto, a interpretação dada a essa palavra ou a essa expressão é muitas vezes vaga demais e não traduz o sentido místico que lhes podemos atribuir.
O significado corrente da palavra silêncio é o de mutismo, no sentido de calar-se, isto é, de não falar. Esse "silêncio das palavras" na realidade se assemelha ao controle do que dizemos. Ora, todo mundo sabe o quanto é difícil falar somente quando isso é útil e calar-se quando é preferível não dizer nada, donde vem o adágio, "o silêncio é de ouro, a palavra é de prata". É verdade que há pessoas que, por força de seu temperamento, falam muito ou pouco, conforme são expansivas ou reservadas, extrovertidas ou introvertidas. Não obstante, quer se tenha a palavra fácil ou não, ninguém pode negar que guardar silêncio é uma qualidade que reflete a aptidão para saber falar ou se calar quando é preciso. A dificuldade neste campo está no fato de que todos temos um ego e de que este tende a querer se expressar para dar sua opinião e atrair atenção para nós como pessoas. Portanto, não se pode dominar a fala sem se adquirir certa humildade.
Todos sabemos que houve circunstâncias em que teria sido melhor que não tivéssemos dito nada e outras, ao contrário, em que deveríamos ter falado. A maioria das pessoas admira aquelas que são capazes de dizer o que convém numa dada situação e de fazê-lo claramente e em poucas palavras. Vale a pena desenvolver a faculdade de expressar concisamente o que se pensa, mesmo que isso seja uma empresa difícil. Na maior parte do tempo, aquilo que dizemos ou deixamos de dizer é mais motivado pelos sentimentos do que pela razão pura. Em outras palavras, com freqüência deixamos de dizer certas coisas às pessoas por receio de ofendê-las ou de lhes causar mal-estar, mesmo sabendo que seria melhor dizê-las. Assim agimos porque muitas vezes nos preocupamos mais com o impacto emocional que nossas palavras vão causar nelas do que com o seu verdadeiro interesse. Isto posto, não há regra geral nesse campo, pois nunca nos deve riamos dirigir a alguém sem levar em consideração os seus sentimentos. Em todo caso, é indispensável conhecer bem a personalidade da pessoa a quem se diz ou se deixa de dizer alguma coisa.
Consideremos agora o papel do silêncio numa discussão. Há uma regra que deveríamos sempre ter em mente, a saber, que é preciso estarmos bem informados sobre um assunto antes de o discutirmos cora alguém. Somente nessa condição podemos nos expressar claramente sobre esse assunto. Se não somos capazes disso, mais comumente é porque não refletimos suficientemente sobre esse assunto e não o dominamos. Nesse caso, é sempre prejudicial falarmos demais, pois, não somente aquilo que dizemos não é ponderado, mas também porque nossas deficiências ficam assim reveladas e nos prejudicam. Com efeito, quando nos é solicitado nos expressarmos sobre um assunto que não conhecemos bem, cabe termos á sabedoria de admitir com toda simplicidade que nada temos a dizer dada nossa falta de informação a seu respeito, ou afirmarmos que as idéias que vamos expor são as de uma pessoa desinformada e não de um perito na matéria. Em suma, o "silêncio das palavras" consiste em procurarmos falar com discernimento, em sermos claros e concisos em nosso discurso e em refletirmos antes de nos pronunciarmos sobre um assunto em discussão.
A segunda aplicação da palavra silêncio corresponde ao "silêncio dos pensamentos". Esse silêncio traz o problema do controle da nossa mente. Sabemos que os pensamentos têm certo poder e que têm determinados efeitos em nós mesmos e em outrem. É então sábio empregá-los com atenção e não desperdiçá-los em idéias dispersas e fúteis. É verdade que às vezes é agradável nos abandonarmos ao devaneio, pois isto é um modo de nos descontrairmos em todos os níveis. Além disso, acontece a todo mundo pensar coisas sem grande importância. Mas, em geral, devemos controlar nossos pensamentos e lhes dar uma direção positiva. Se não fazemos isso, eles se dispersam e se tomam muito freqüentemente discordantes. Daí resulta então um estado mental mais ou menos negativo, com todas as conseqüências que isso implica em nós e ao nosso redor. Diz-se com freqüência que é indispensável fazer a mente se calar quando se medita. Mas a natureza tem horror ao vazio e é impossível não pensar ou não pensar em nada. Contrariamente ao que pretendem certos gurus, meditar não consiste então em fazermos um vácuo na nossa mente, pois não podemos fazê-lo enquanto seres encarnados. Como já aprendemos em nossos ensinamentos, a meditação requer, ao contrário, que nos concentremos no problema que nos preocupa ou no assunto em que nos queremos aprofundar e depois nos coloquemos em estado de receptividade, a fim de recebermos a inspiração do Cósmico. Também aqui, o melhor meio de conseguirmos esse estado não consiste em não pensarmos em nada e sim em canalizarmos nosso pensamento para a visualização de uma imagem mental agradável e inspiradora, como um céu azul, uma rosa, um símbolo qualquer, o que absolutamente não nos impede de estarmos receptivos às impressões que somos suscetíveis de receber durante nossa meditação. Se preferimos, podemos ainda escutar uma música apropriada durante a fase de receptividade e nos deixar "transportar" por ela aos planos superiores.
Seja na vida corrente ou em nossos momentos de meditação, o "silêncio mental" não consiste portanto em não pensar em nada, pois isto é impossível, mas em manter pensamentos positivos e construtivos. Isso é uma coisa muito difícil, pois somos imperfeitos e vivemos num mundo que nos confronta com situações negativas. O melhor meio de conseguirmos isso consiste, não somente em transmutarmos nossos maus pensamentos, quando os temos, mas também em dirigirmos nossa mente para coisas úteis e positivas: lermos livros inspiradores, assistirmos a reportagens culturais instrutivas, passearmos na natureza deixando-nos impregnar de sua beleza, termos conversas construtivas com membros de nossa família, etc. Assim agindo damos um "alimento" sadio à nossa consciência e "positivamos" os nossos pensamentos. Isso levanta finalmente todo o problema da alquimia mental que devemos realizar todo dia em nós mesmos.
O ser humano não se limita a falar e pensar. Além disso, ele age. Ora, assim como existe um "silêncio das palavras" e um "silêncio dos pensamentos", existe também um "silêncio das ações". Este consiste primeiro em não cometermos atos negativos em relação aos outros, ou seja, imorais, maldosos, perversos, destrutivos, etc. É evidente que, se nenhum indivíduo praticasse tais atos, o mundo viveria em melhor harmonia. Infelizmente, no estado atual das coisas, ainda há inúmeras pessoas que agem sob a influência dos mais primitivos instintos da natureza humana e que dão livre curso à maldade, à violência e ao ódio. Por isso existem hoje crimes, conflitos e guerras, com todos os sofrimentos que disso decorrem para as vítimas. Como sabemos, assim será enquanto os homens não tiverem despertado suficientemente as virtudes de sua alma e agirem sob o império dos aspectos negativos do ego.
Como sugerem as observações precedentes, o "silêncio das ações" implica igualmente em não respondermos à violência com a violência. Com efeito, a experiência prova que é impossível apaziguar uma situação de conflito reagindo-se violentamente a uma agressão, seja ela verbal ou física. Nesse caso, só se consegue agravar a situação e lhe dar um caráter ainda mais dramático. Não quer dizer que não se deva reagir contra a violência, pois isso seria semelhante a uma forma de fraqueza e até mesmo de covardia. Antes significa que devemos reagir de maneira positiva e construtiva. Nesse campo, a vida e a obra do Mahatma Gandhi constituem um exemplo para todos nós. Ele nunca cedeu à adversidade, mas sempre se opôs a ela de um modo não violento e assim deu prova de sua grandeza de alma.
O "silêncio das ações" se 'assemelha também à inação, no sentido que um místico pode dar a esse termo. Em outras palavras, corresponde ao estado físico que sentimos quando nosso corpo está totalmente em repouso, como acontece quando estamos dormindo. Mas esse estado não é específico do sono. Com efeito, é esse mesmo estado que devemos alcançar quando meditamos ou nos preparamos para uma experiência mística especial, pois importa então estarmos calmos, descontraídos e relaxados. Ora, só podemos conseguir isso estando totalmente passivos no plano físico, o que implica justamente não nos mexermos e, por conseguinte, não praticarmos nenhuma ação. Como todo mundo sabe, esse "silêncio das ações" não é tão fácil de conseguir, pois requer a suspensão momentânea dos desejos do corpo e de sua necessidade natural de estar ativo e em movimento. Mas isso é indispensável toda vez que queremos nos elevar aos planos de consciência superiores.



Autor: Texto recebido por e-mail

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