16 outubro, 2008

Acumpuntura

Prepare-se para comprar o seu estojo de agulhas.
Cientistas da Universidade da Califórnia comprovaram que os pontos da acupuntura estão mesmo ligados, através do cérebro, a importantes órgãos internos e funções do corpo.




Prepare-se para comprar o seu estojo de agulhas.
Cientistas da Universidade da Califórnia comprovaram que os pontos da acupuntura estão mesmo ligados, através do cérebro, a importantes órgãos internos e funções do corpo.



Ponte Orgânica: Esta gravura chinesa antiga mostra um dos doze meridianos que percorreriam o corpo humano. Utilizando esse caminho, os acupunturistas garantem que, ao enfiar uma agulha no dedo mindinho, curam palpitações e previnem enfartes. Estranho, não é? Mas moderníssimos testes de ressonância magnética estão confirmando essas relações dentro do organismo.

O pesquisador espeta a lateral do pé do voluntário e gira a agulha devagar. Na tela do computador, onde se vê a imagem do cérebro do paciente, acende-se uma área, sinal de que ela entrou em atividade. Só que o campo iluminado não rege o movimento dos pés nem processa a dorzinha da picada: trata-se da parte do córtex que controla a visão. E, não por acaso, o local perfurado é aquele que os chineses chamam de kuang ming (clareza da luz), usado para curar doenças dos olhos.

Foi assim que o físico Zang - Hee Cho, da Universidade da Califórnia, comprovou que certos pontos na pele estão de fato ligados a órgãos fintemos, como se sabe no Oriente há cinco milênios. A pesquisa, realizada em 1998 pela equipe do coreano Cho, é uma notícia aguardada há décadas. Pelo menos 1 bilhão de cidadãos dentro e fora da China já recorrem à acupuntura, e outro tanto certamente só não o faz porque duvida da sua confiabilidade. Agora, antigas e novos usuários poderão submeter-se às beliscadas com tranqüilidade. A ciência chegou, pela primeira vez, a conclusões seguras a respeito do assunto.

Laboratório de dentro
Cho escolheu o kuang ming porque o córtex visual é a área reais bem mapeada do cérebro. Além disso, outros dois acupontos (os lugares prescritos para as agulhadas) relacionados aos olhos foram estimulados em doze cobaias. Em todos os casos, o campo do cérebro correspondente à vista foi ativado. Por fim, para garantir os resultados, o físico tratou de cravar outros lugares do pé, sem valor para a acupuntura. O córtex ignorou as pinicadas falsas.

"Ninguém ainda havia provado que os acupontos têm conexão com o córtex, a parte do cérebro que toma as decisões e controla os órgãos", disse Cho à SUPER. Essa camada do cérebro é capaz de ativar uma verdadeira indústria farmacêutica interna. Ela pode estimular a produção de anticorpos para enfrentar vírus e bactérias invasoras; acalma o sujeito; manda fabricar os hormônios que regem os órgãos; e ordena a criação de substâncias que aliviam a dor. Enfim, está provado que a terapia chinesa encontrou um jeito de acionar, sem remédios ou bisturi, importantes circuitos da nossa máquina bioquímica.

A cura está na farmácia interior
Há 5 000 anos, quando criaram a acupuntura, os chineses não sabiam que o cérebro rege todo o organismo. O sistema que inventaram pressupunha a existência de doze meridianos - canais de energia que conectariam os órgãos - sobre os quais se localizam 1 500 acupontos. “A tradição diz que, com as agulhas, podemos reorganizar a energia que circula nesses canais", diz o chinês Jou Eel Jia, acupunturista em São Paulo. Acontece que ninguém nunca viu um meridiano. A idéia de que, em vez de uma estrada energética invisível, sejam terminais nervosos, através do cérebro, que ligam o pé aos olhos, como demonstraram Cho e seus colegas, é mais plausível para a medicina ocidental.
A mesma hipótese explicaria a eficácia das agulhadas para curar - esta ainda um mistério para os cientistas. "Se o estímulo chega ao córtex, pode, a partir dele, atingir o hipotálamo", sugere o fisiologista Gilberto Xavier, da Universidade de São Paulo. "O hipotálamo é um centro nervoso que trabalha em conjunto com a hipófise, a glândula-mãe." A dupla rege a produção dos hormônios que agem nos órgãos. Controlando-os, fica fácil tratar muitas das doenças causadas pelo seu desequilíbrio, da diabete à obesidade.

Um hormônio importante é a adrenalina, que é liberada quando tomamos um susto. Ela nos deixa alertas, mas também agitados e estressados. "Já sabemos que um de seus efeitos colaterais é baixar a resistência a doenças", conta Xavier. Aí a acupuntura pode ajudar controlando os níveis de adrenalina no sangue e deixando os anticorpos livres para agir.

E há ainda um outro possível efeito. "O estímulo pode agir no bulbo cerebral, que manda nos neuroquímicos", diz Cho, referindo-se às proteínas que tomam possível a transmissão de impulsos entre um neurônio e outro. Se os acupunturistas as controlam, podem bloquear a dor das doenças ou aliviar a dependência de drogas e álcool.



Do pé ao Olho
1- O estimulo é aplicado no Kuang Ming. Esse ponto é usado tradicionalmente para tratar dores nos olhos e algumas doenças da visão, como glaucoma e conjuntivite.

2- Os nervos levam os impulsos até a espinha dorsal, por onde sobem para o cérebro. Por algum motivo desconhecido ainda, eles provocam atividade na área visual do córtex cerebral.

3- O córtex ativa o hipotálamo e a hipófise, a dupla que regula a produção de hormônios, e o bulbo cerebral, a estrutura que comanda a fabricação das substancias que introduzem os impulsos a percorrer os neurônios. As agulhadas curam ao fazer com que o próprio organismo produza seus remédios.

Ex-cético
"Para ver o cérebro, Cho usou ressonância magnética, técnica em que foi um dos pioneiros", explica o argentino Horácio Panepucci, da Universidade Federal de São Carlos, interior de São Paulo, o principal pesquisador da ressonância no Brasil. "O aparelho é uma espécie de raios X para ver tecidos moles como o cérebro." O coreano empregou tecnologia de ponta, a ressonância magnética funcional, que, além de enxergar o córtex, identifica mudanças na quantidade de oxigênio no sangue, revelando quais regiões cerebrais estão em atividade. Agora ele tenta captar financiamento para testar os acupontos ligados à audição, ao olfato e ao paladar. A técnica custa caríssimo.

Cho, que tem 62 anos, conhece a acupuntura faz tempo. "Quando eu era criança, meu pai teve uma paralisia facial e se curou com as agulhas", contou à SUPER. Essa doença, caracterizada pela perda dos movimentos em um dos lados do rosto, é tratada pelos ocidentais com cortisona, um hormônio violento que provoca inchaço e aumento de peso, entre outros efeitos colaterais.
Mesmo assim, o coreano não acreditou na terapia milenar. "Moro no Ocidente desde 1962 e aprendi a achar que acupuntura é fantasia", diz. Isso até ele próprio, em 1990, tomar um tombo e torcer o pé. Atraído pelo baixo preço das consultas - cerca de 40 reais, contra 100 reais em média no Brasil -, resolveu tentar. "Foi quase um milagre. Depois de 15 minutos de sessão, eu estava bom. Resolvi que valia a pena pesquisar por que funciona tão bem."
Xavier, porém, ressalta que o experimento de Cho é animador, mas limitado. "Ele mostrou que o estímulo no pé ativou as áreas visuais. Mais do que isso é especulação." Segundo o fisiologista, serão necessárias outras pesquisas para revelar de que maneira a acupuntura cura.



Você é yin ou yang?
Quando foi conferir os resultados dos experimentos, Cho notou uma coisa estranha. Alguns voluntários reagiam ao espetão com uma subida no fluxo sanguíneo. Em outros ele baixava. "Achei que era um erro e repeti a experiência. Mas aconteceu o mesmo", conta ele. Foi aí que um dos acupunturistas envolvidos na pesquisa matou a charada. "Yin e yang", disse ele, e apontou entre os doze voluntários quem era o quê.

Na filosofia chinesa, quase tudo gira em torno do equilíbrio entre yin (frio) e yang (quente). Há pessoas yin, tranqüilas como o próprio Cho, e outras yang, agitadas. Já que a terapia age compensando as deficiências de cada paciente, ela aumenta a velocidade com que o sangue flui nos yin e baixa a dos yang.

Para aliviar, espete a agulha no nervo certo
A cura de doenças pela acupuntura sempre foi um mistério para a ciência. Mas o neurocientista canadense Bruce Pomeranz, da Universidade de Toronto, já tinha compreendido há mais de vinte anos como é possível controlar a dor com as picadinhas.

"Existe uma célula na coluna vertebral que se chama intemeurônio", conta o fisiologista Gilberto Xavier. "Ela é um neurônio, só que pequeno, e sua função é evitar que o cérebro seja avisado da dor em situações em que isso prejudicaria o indivíduo” por exemplo, no caso do sujeito que, apesar de ter a perna quebrada, tem de se safar rápido de um acidente. A acupuntura sabe usar esse recurso também em situações menos extremas: quando se estimula um certo tipo de terminação nervosa logo abaixo da pele, o interneurônio é induzido a entrar em ação, bloqueando o caminho da dor no corpo inteiro.

"Os pontos de acupuntura, conhecidos há milhares de anos, são justamente os lugares da pele com maior concentração de nervos que ativam esse mecanismo", explica o médico Ysao Yamamura, que chefia o renomado Departamento de Acupuntura da Universidade Federal de São Paulo. Isso justifica o sucesso da terapia no tratamento de dores. Mas, até o trabalho de Cho, ninguém sabia sugerir como ela age em órgãos específicos e faz o paciente sarar de doenças.

Eficiência indiscutível
No inicio de 1997, os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos organizaram uma reunião para avaliar a eficácia das aplicações. “A conclusão foi que elas realmente funcionam”, disse à SUPER o médico David Ramsay, reitor da Universidade de Maryland, nos EUA, e presidente do encontro. Ramsay acha que há evidências fortíssimas de que as agulhas melhoram dores de cabeça, de dentes, de coluna e cólicas menstruais. Tudo previsto pela teoria dos interneurônios.

Mas também ficou provado que ela é eficiente para tratar asma, enjôos em pacientes de quimioterapia ou recém-operados e para ajudar na reabilitação de viciados em álcool e drogas. Nada disso é explicado pela teoria de Pomeranz. Possivelmente, tem a ver com hormônios e neuroquímicos. Em todos esses casos, as aguilhoadas bem aplicadas trazem resultados tão bons ou melhores que os equivalentes ocidentais, com a vantagem de não terem efeitos colaterais.

“A acupuntura funciona, e bem, para quase toda doença no começo”, diz Yamamura. "É a terapia perfeita para prevenção, para o que não aparece nos exames, para desequilíbrios hormonais, dores e tudo o que for relacionado à tensão", completa.
Fora disso, o tratamento convencional é a melhor opção.
Mesmo sem entender seu funcionamento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a terapia aos países-membros. Dos 1 500 acupontos espalhados pelo corpo, a OMS comprova a eficácia de 360. Seguindo esse conselho, o Brasil foi o pioneiro no Ocidente em reconhecer essa prática como especialidade médica, em 1995. “Já somos mais de 5 000 médicos que usam acupuntura no Brasil, sem contar os 20 000 não-médicos habilitados para executar as aplicações”, diz Yamamura. Em setembro passado, o Conselho Federal de Medicina proibiu todas as práticas de medicina alternativa que não tivessem sido suficientemente comprovadas. A acupuntura, assim como a homeopatia, foi uma das únicas poupadas.
Ou seja, a ciência já sabia há muito tempo que as agulhadas fazem bem. Mas só agora começa a entender por quê.



De choque em choque
Diz a lenda que, 5 000 anos atrás, um soldado chinês foi ferido no tornozelo durante uma guerra contra os mongóis.

O agressor não o matou, mas fez algo bem mais importante: realizou a primeira aplicação de acupuntura. Ele acertou o ponto anestésico e curou uma enxaqueca que atormentava o adversário.

É assim que os chineses narram o surgimento da sua medicina. Os doze meridianos teriam sido traçados a partir desse primeiro acuponto. Espetando-o com uma agulha, o paciente sente um choque que vai até outro ponto. Estimulando esse segundo, o choque leva ao terceiro, e assim por diante. Hoje, os 1 500 acupontos são acionados com agulhas finíssimas de aço inoxidável, com 1 a 12 centímetros. Dói? Em geral, não. Mas, quanto menos saudável o órgão ativado, mais o paciente sentirá a agulhada.

Anestesia Geral
Veja como a acupuntura barra dor


1- A agulha é enfiada até atingir o tecido muscular. A aplicação, em geral, é quase indolor. Daí o terapeuta começa a girá-la. Nessa ilustração, o ponto estimulado é o anestésico, que fica no tornozelo.

2- Temos vários receptores nervosos diferentes na pele. Cada um para uma sensação (frio, calor, tato, pressão e dor). Os pontos de acupuntura são aqueles onde há nervos que transmitem o sinal de dor.

3- O impulso pelo nervo faz com que o interneuronio, uma célula que conecta um neurônio ao outro, produza um opióide – substancia que tem efeito analgésico semelhantes ao do ópio.

4- O opioide se liga ao neurônio seguinte e bloqueia os sinais de dor. Assim, o corpo todo fica anestesiado.



Comunistas ressuscitaram saber ancestral
A acupuntura já tem muito prestígio no Ocidente. Depois da experiência de Cho, isso tende a aumentar. Mas ela quase deixou de existir no começo deste século. Em 1912, sob influência dos ingleses, a China baniu as terapias tradicionais. "Os grandes laboratórios farmacêuticos estavam chegando à Ásia e queriam introduzir seus produtos à força", interpreta o acupunturista Jou Eel Jia, nascido na China e residente em São Paulo. O resultado foi desastroso: em 1949, havia só 40 000 médicos para atender 500 milhões de habitantes.

Naquele ano, Mao Tsé-rung (1893-1976) liderou a revolução comunista. Um de seus primeiros atos foi reabilitar os terapeutas até então ilegais, transformando-os em agentes de saúde. Mao também criou faculdades e institutos de pesquisa do método tradicional, além de um sistema que integra as duas medicinas, no qual os pacientes podem escolher a sua preferida.

Hoje, a acupuntura é oficial também no Japão e na Coréia e há terapeutas em praticamente todo o mundo. Só nos Estados Unidos, onde foi introduzida nos anos 70, entre 9 e 12 milhões de pacientes recorrem às agulhas anualmente. Com a pesquisa de Cho, elas podem confiar que não estão recorrendo a um curandeirismo, e sim a uma técnica médica comprovada.



PARA SABER MAIS
Ch'an Tao, de Jou Eel Jia, Norvan Martino Leite e Lilian Fumie Takeda, Plexus, Sao Paulo, 1998
Basics of Acupuncture, de Bruce Pomeranz e Gabriel Stux, Springer-Verlag, Nova York, 1998.







Autor: Denis Russo BURGIERMAN
Fonte: Revista – Super Interessante – fevereiro de 1999.




Ponte Orgânica: Esta gravura chinesa antiga mostra um dos doze meridianos que percorreriam o corpo humano. Utilizando esse caminho, os acupunturistas garantem que, ao enfiar uma agulha no dedo mindinho, curam palpitações e previnem enfartes. Estranho, não é? Mas moderníssimos testes de ressonância magnética estão confirmando essas relações dentro do organismo.

O pesquisador espeta a lateral do pé do voluntário e gira a agulha devagar. Na tela do computador, onde se vê a imagem do cérebro do paciente, acende-se uma área, sinal de que ela entrou em atividade. Só que o campo iluminado não rege o movimento dos pés nem processa a dorzinha da picada: trata-se da parte do córtex que controla a visão. E, não por acaso, o local perfurado é aquele que os chineses chamam de kuang ming (clareza da luz), usado para curar doenças dos olhos.

Foi assim que o físico Zang - Hee Cho, da Universidade da Califórnia, comprovou que certos pontos na pele estão de fato ligados a órgãos fintemos, como se sabe no Oriente há cinco milênios. A pesquisa, realizada em 1998 pela equipe do coreano Cho, é uma notícia aguardada há décadas. Pelo menos 1 bilhão de cidadãos dentro e fora da China já recorrem à acupuntura, e outro tanto certamente só não o faz porque duvida da sua confiabilidade. Agora, antigas e novos usuários poderão submeter-se às beliscadas com tranqüilidade. A ciência chegou, pela primeira vez, a conclusões seguras a respeito do assunto.

Laboratório de dentro
Cho escolheu o kuang ming porque o córtex visual é a área reais bem mapeada do cérebro. Além disso, outros dois acupontos (os lugares prescritos para as agulhadas) relacionados aos olhos foram estimulados em doze cobaias. Em todos os casos, o campo do cérebro correspondente à vista foi ativado. Por fim, para garantir os resultados, o físico tratou de cravar outros lugares do pé, sem valor para a acupuntura. O córtex ignorou as pinicadas falsas.

"Ninguém ainda havia provado que os acupontos têm conexão com o córtex, a parte do cérebro que toma as decisões e controla os órgãos", disse Cho à SUPER. Essa camada do cérebro é capaz de ativar uma verdadeira indústria farmacêutica interna. Ela pode estimular a produção de anticorpos para enfrentar vírus e bactérias invasoras; acalma o sujeito; manda fabricar os hormônios que regem os órgãos; e ordena a criação de substâncias que aliviam a dor. Enfim, está provado que a terapia chinesa encontrou um jeito de acionar, sem remédios ou bisturi, importantes circuitos da nossa máquina bioquímica.

A cura está na farmácia interior
Há 5 000 anos, quando criaram a acupuntura, os chineses não sabiam que o cérebro rege todo o organismo. O sistema que inventaram pressupunha a existência de doze meridianos - canais de energia que conectariam os órgãos - sobre os quais se localizam 1 500 acupontos. “A tradição diz que, com as agulhas, podemos reorganizar a energia que circula nesses canais", diz o chinês Jou Eel Jia, acupunturista em São Paulo. Acontece que ninguém nunca viu um meridiano. A idéia de que, em vez de uma estrada energética invisível, sejam terminais nervosos, através do cérebro, que ligam o pé aos olhos, como demonstraram Cho e seus colegas, é mais plausível para a medicina ocidental.
A mesma hipótese explicaria a eficácia das agulhadas para curar - esta ainda um mistério para os cientistas. "Se o estímulo chega ao córtex, pode, a partir dele, atingir o hipotálamo", sugere o fisiologista Gilberto Xavier, da Universidade de São Paulo. "O hipotálamo é um centro nervoso que trabalha em conjunto com a hipófise, a glândula-mãe." A dupla rege a produção dos hormônios que agem nos órgãos. Controlando-os, fica fácil tratar muitas das doenças causadas pelo seu desequilíbrio, da diabete à obesidade.

Um hormônio importante é a adrenalina, que é liberada quando tomamos um susto. Ela nos deixa alertas, mas também agitados e estressados. "Já sabemos que um de seus efeitos colaterais é baixar a resistência a doenças", conta Xavier. Aí a acupuntura pode ajudar controlando os níveis de adrenalina no sangue e deixando os anticorpos livres para agir.

E há ainda um outro possível efeito. "O estímulo pode agir no bulbo cerebral, que manda nos neuroquímicos", diz Cho, referindo-se às proteínas que tomam possível a transmissão de impulsos entre um neurônio e outro. Se os acupunturistas as controlam, podem bloquear a dor das doenças ou aliviar a dependência de drogas e álcool.



Do pé ao Olho
1- O estimulo é aplicado no Kuang Ming. Esse ponto é usado tradicionalmente para tratar dores nos olhos e algumas doenças da visão, como glaucoma e conjuntivite.

2- Os nervos levam os impulsos até a espinha dorsal, por onde sobem para o cérebro. Por algum motivo desconhecido ainda, eles provocam atividade na área visual do córtex cerebral.

3- O córtex ativa o hipotálamo e a hipófise, a dupla que regula a produção de hormônios, e o bulbo cerebral, a estrutura que comanda a fabricação das substancias que introduzem os impulsos a percorrer os neurônios. As agulhadas curam ao fazer com que o próprio organismo produza seus remédios.

Ex-cético
"Para ver o cérebro, Cho usou ressonância magnética, técnica em que foi um dos pioneiros", explica o argentino Horácio Panepucci, da Universidade Federal de São Carlos, interior de São Paulo, o principal pesquisador da ressonância no Brasil. "O aparelho é uma espécie de raios X para ver tecidos moles como o cérebro." O coreano empregou tecnologia de ponta, a ressonância magnética funcional, que, além de enxergar o córtex, identifica mudanças na quantidade de oxigênio no sangue, revelando quais regiões cerebrais estão em atividade. Agora ele tenta captar financiamento para testar os acupontos ligados à audição, ao olfato e ao paladar. A técnica custa caríssimo.

Cho, que tem 62 anos, conhece a acupuntura faz tempo. "Quando eu era criança, meu pai teve uma paralisia facial e se curou com as agulhas", contou à SUPER. Essa doença, caracterizada pela perda dos movimentos em um dos lados do rosto, é tratada pelos ocidentais com cortisona, um hormônio violento que provoca inchaço e aumento de peso, entre outros efeitos colaterais.
Mesmo assim, o coreano não acreditou na terapia milenar. "Moro no Ocidente desde 1962 e aprendi a achar que acupuntura é fantasia", diz. Isso até ele próprio, em 1990, tomar um tombo e torcer o pé. Atraído pelo baixo preço das consultas - cerca de 40 reais, contra 100 reais em média no Brasil -, resolveu tentar. "Foi quase um milagre. Depois de 15 minutos de sessão, eu estava bom. Resolvi que valia a pena pesquisar por que funciona tão bem."
Xavier, porém, ressalta que o experimento de Cho é animador, mas limitado. "Ele mostrou que o estímulo no pé ativou as áreas visuais. Mais do que isso é especulação." Segundo o fisiologista, serão necessárias outras pesquisas para revelar de que maneira a acupuntura cura.



Você é yin ou yang?
Quando foi conferir os resultados dos experimentos, Cho notou uma coisa estranha. Alguns voluntários reagiam ao espetão com uma subida no fluxo sanguíneo. Em outros ele baixava. "Achei que era um erro e repeti a experiência. Mas aconteceu o mesmo", conta ele. Foi aí que um dos acupunturistas envolvidos na pesquisa matou a charada. "Yin e yang", disse ele, e apontou entre os doze voluntários quem era o quê.

Na filosofia chinesa, quase tudo gira em torno do equilíbrio entre yin (frio) e yang (quente). Há pessoas yin, tranqüilas como o próprio Cho, e outras yang, agitadas. Já que a terapia age compensando as deficiências de cada paciente, ela aumenta a velocidade com que o sangue flui nos yin e baixa a dos yang.

Para aliviar, espete a agulha no nervo certo
A cura de doenças pela acupuntura sempre foi um mistério para a ciência. Mas o neurocientista canadense Bruce Pomeranz, da Universidade de Toronto, já tinha compreendido há mais de vinte anos como é possível controlar a dor com as picadinhas.

"Existe uma célula na coluna vertebral que se chama intemeurônio", conta o fisiologista Gilberto Xavier. "Ela é um neurônio, só que pequeno, e sua função é evitar que o cérebro seja avisado da dor em situações em que isso prejudicaria o indivíduo” por exemplo, no caso do sujeito que, apesar de ter a perna quebrada, tem de se safar rápido de um acidente. A acupuntura sabe usar esse recurso também em situações menos extremas: quando se estimula um certo tipo de terminação nervosa logo abaixo da pele, o interneurônio é induzido a entrar em ação, bloqueando o caminho da dor no corpo inteiro.

"Os pontos de acupuntura, conhecidos há milhares de anos, são justamente os lugares da pele com maior concentração de nervos que ativam esse mecanismo", explica o médico Ysao Yamamura, que chefia o renomado Departamento de Acupuntura da Universidade Federal de São Paulo. Isso justifica o sucesso da terapia no tratamento de dores. Mas, até o trabalho de Cho, ninguém sabia sugerir como ela age em órgãos específicos e faz o paciente sarar de doenças.

Eficiência indiscutível
No inicio de 1997, os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos organizaram uma reunião para avaliar a eficácia das aplicações. “A conclusão foi que elas realmente funcionam”, disse à SUPER o médico David Ramsay, reitor da Universidade de Maryland, nos EUA, e presidente do encontro. Ramsay acha que há evidências fortíssimas de que as agulhas melhoram dores de cabeça, de dentes, de coluna e cólicas menstruais. Tudo previsto pela teoria dos interneurônios.

Mas também ficou provado que ela é eficiente para tratar asma, enjôos em pacientes de quimioterapia ou recém-operados e para ajudar na reabilitação de viciados em álcool e drogas. Nada disso é explicado pela teoria de Pomeranz. Possivelmente, tem a ver com hormônios e neuroquímicos. Em todos esses casos, as aguilhoadas bem aplicadas trazem resultados tão bons ou melhores que os equivalentes ocidentais, com a vantagem de não terem efeitos colaterais.

“A acupuntura funciona, e bem, para quase toda doença no começo”, diz Yamamura. "É a terapia perfeita para prevenção, para o que não aparece nos exames, para desequilíbrios hormonais, dores e tudo o que for relacionado à tensão", completa.
Fora disso, o tratamento convencional é a melhor opção.
Mesmo sem entender seu funcionamento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a terapia aos países-membros. Dos 1 500 acupontos espalhados pelo corpo, a OMS comprova a eficácia de 360. Seguindo esse conselho, o Brasil foi o pioneiro no Ocidente em reconhecer essa prática como especialidade médica, em 1995. “Já somos mais de 5 000 médicos que usam acupuntura no Brasil, sem contar os 20 000 não-médicos habilitados para executar as aplicações”, diz Yamamura. Em setembro passado, o Conselho Federal de Medicina proibiu todas as práticas de medicina alternativa que não tivessem sido suficientemente comprovadas. A acupuntura, assim como a homeopatia, foi uma das únicas poupadas.
Ou seja, a ciência já sabia há muito tempo que as agulhadas fazem bem. Mas só agora começa a entender por quê.



De choque em choque
Diz a lenda que, 5 000 anos atrás, um soldado chinês foi ferido no tornozelo durante uma guerra contra os mongóis.

O agressor não o matou, mas fez algo bem mais importante: realizou a primeira aplicação de acupuntura. Ele acertou o ponto anestésico e curou uma enxaqueca que atormentava o adversário.

É assim que os chineses narram o surgimento da sua medicina. Os doze meridianos teriam sido traçados a partir desse primeiro acuponto. Espetando-o com uma agulha, o paciente sente um choque que vai até outro ponto. Estimulando esse segundo, o choque leva ao terceiro, e assim por diante. Hoje, os 1 500 acupontos são acionados com agulhas finíssimas de aço inoxidável, com 1 a 12 centímetros. Dói? Em geral, não. Mas, quanto menos saudável o órgão ativado, mais o paciente sentirá a agulhada.

Anestesia Geral
Veja como a acupuntura barra dor


1- A agulha é enfiada até atingir o tecido muscular. A aplicação, em geral, é quase indolor. Daí o terapeuta começa a girá-la. Nessa ilustração, o ponto estimulado é o anestésico, que fica no tornozelo.

2- Temos vários receptores nervosos diferentes na pele. Cada um para uma sensação (frio, calor, tato, pressão e dor). Os pontos de acupuntura são aqueles onde há nervos que transmitem o sinal de dor.

3- O impulso pelo nervo faz com que o interneuronio, uma célula que conecta um neurônio ao outro, produza um opióide – substancia que tem efeito analgésico semelhantes ao do ópio.

4- O opioide se liga ao neurônio seguinte e bloqueia os sinais de dor. Assim, o corpo todo fica anestesiado.



Comunistas ressuscitaram saber ancestral
A acupuntura já tem muito prestígio no Ocidente. Depois da experiência de Cho, isso tende a aumentar. Mas ela quase deixou de existir no começo deste século. Em 1912, sob influência dos ingleses, a China baniu as terapias tradicionais. "Os grandes laboratórios farmacêuticos estavam chegando à Ásia e queriam introduzir seus produtos à força", interpreta o acupunturista Jou Eel Jia, nascido na China e residente em São Paulo. O resultado foi desastroso: em 1949, havia só 40 000 médicos para atender 500 milhões de habitantes.

Naquele ano, Mao Tsé-rung (1893-1976) liderou a revolução comunista. Um de seus primeiros atos foi reabilitar os terapeutas até então ilegais, transformando-os em agentes de saúde. Mao também criou faculdades e institutos de pesquisa do método tradicional, além de um sistema que integra as duas medicinas, no qual os pacientes podem escolher a sua preferida.

Hoje, a acupuntura é oficial também no Japão e na Coréia e há terapeutas em praticamente todo o mundo. Só nos Estados Unidos, onde foi introduzida nos anos 70, entre 9 e 12 milhões de pacientes recorrem às agulhas anualmente. Com a pesquisa de Cho, elas podem confiar que não estão recorrendo a um curandeirismo, e sim a uma técnica médica comprovada.



PARA SABER MAIS
Ch'an Tao, de Jou Eel Jia, Norvan Martino Leite e Lilian Fumie Takeda, Plexus, Sao Paulo, 1998
Basics of Acupuncture, de Bruce Pomeranz e Gabriel Stux, Springer-Verlag, Nova York, 1998.







Autor: Denis Russo BURGIERMAN
Fonte: Revista – Super Interessante – fevereiro de 1999.

Nenhum comentário: